Ganhei
minha primeira bicicleta na infância, por volta dos 8 anos. Na verdade, devo
dizer ganhamos. Devido a nossa condição financeira à época era uma bicicleta
para dividir entre os três irmãos. Nem por isso a satisfação de ter aquele
objeto foi diminuída: nós, os irmãos, revezávamos o uso e, cada vez em que eu
tive que esperar a minha vez de poder usá-la, aquele momento de ansiedade
tornava o prazer de pedalar mais intenso. Demorei um pouco para ganhar o
equilíbrio necessário para me manter de pé em cima da magrela, mas logo que
aprendi passei a andar pelas ruas próximas de onde morava. Aquilo me dava
prazer e eu me sentia livre. Tão livre que um dia me perdi e, sem saber como
voltar para casa, pedalei seguindo o vento. Ia por onde o vento soprasse mais
forte. E o vento me guiou de volta. Quando dei por mim estava na rua em que
morava novamente.
Fui
crescendo e a bicicleta foi sendo deixada de lado, também por causa das
condições físicas dela: já era muita velha quando a ganhei.
Os
anos passaram e sempre me voltava a vontade de pedalar novamente livre pela
cidade. A falta de recursos e o medo do trânsito me diziam: hoje não, um dia.
Quem sabe? Mas foi em um fim de tarde, quando eu saia de uma aula pela 13 de
maio, na companhia de uma grande amiga à época, que eu vislumbrei a feição da
felicidade. Em meio ao vai e vem dos carros (no começo dos anos 2000 o trânsito
não era esse caos que é hoje), vimos, minha amiga e eu, uma moça, bela e
sorridente, a pedalar pela avenida. Ela usava um longo vestido e o vento o
fazia esvoaçar. Ela impulsionava os pedais da bicicleta e seguia, feliz, como
se nada mais no mundo importasse. Seu sorriso estampado no rosto transmitia uma
sensação de tamanha leveza que para mim foi como ver a felicidade plena.
Naquele momento, talvez por incompreensão daquela felicidade, minha amiga se
perguntou em voz alta: como alguém pode ser tão feliz apenas pedalando? Claro
que devia existir toda uma conjuntura por trás da cena. Talvez ela apenas
parecesse feliz. Mas a imagem que me ficou foi aquela. Foi assim que aquela moça,
bela, desconhecida e feliz ficou registrada em minha memória.
Ainda
passou-se um tempo até que eu tivesse minha própria bicicleta novamente. Quando
finalmente a vontade encontrou a coragem, aconteceu de um amigo estar se
desfazendo da sua magrela e eu fui o escolhido a ganhá-la. Enfrentei algumas
críticas e pedidos de precaução ao decidir pelar pela minha cidade novamente.
Ouvi coisas do tipo: "você está no Brasil querendo usar um meio de
transporte de primeiro mundo" e "vai se arriscar bastante nessas ruas
perigosas de Fortaleza". Nada disso me impediu. Tudo que queria era a
liberdade de pedalar como quando era criança. Em junho de 2014 me encontrei com
o vento.
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