segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A história por trás da tela

“Quem se importa? Isso aqui é um grande espetáculo. O que importa é como você é percebida.” – Haymitch (Jogos Vorazes, página 149).

                O que realmente importa? O que importa para cada integrante desse grande jogo? O que importa para quem idealiza esse tipo de competição? Até onde é aceitável que manipular uma vida para garantir o entretenimento? E isso se for realmente apenas isso.
                É algo quase comum que em algum momento da vida tenhamos nos perguntado como uma determina pessoa vive e talvez isso seja alimentado quando lemos alguma história. Ao lermos um livro entramos na vida do personagem e até nos vemos nele realizando um processo de catarse quando de alguma forma ele passa por algum problema semelhante ao nosso.

“Todo ser humano real é representado aos olhos de um outro ser, também real, que o enxerga não necessariamente da maneira que ele é ou imagina ser. Na vida, como na arte, existem representações, existe invenção sobre o que vemos e sentimos.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página 36).

               Essa necessidade vai consumindo a pessoa e quanto mais ela alimenta esse “vício”, mais ela quer e daí nasce grandes leitores que às vezes não se contentam somente em ler e começam a criar suas histórias e esse ciclo vai sendo mantido.
                Acontece que nem todos possuem acesso a alimentar essa necessidade por ficção por meio de uma leitura ou, na maioria das vezes, nunca foram iniciadas a uma leitura que proporcione essa sensação de se ver em um personagem. E como teatro, cinema e livro são de difícil acesso, surge as novelas.

“É evidente o sectarismo ou elitismo a respeito da possível 'felicidade' alheia. Não é a reiteração que cultiva a alienação. É o social excludente que o faz. É óbvio que é muito mais prazeroso, depois de oito horas de trabalho, quatro ou cinco de condução cheia, trânsito engarrafado e salários miseráveis, 'vegetar' com o folhetim eletrônico do que com Machado de Assis. Isto na hipótese, improvável, de que o receptor em questão tenha sido iniciado à leitura de Machado por professores que freqüentaram a universidade e que tenham sido por ela iniciados à obra do autor. Iniciação feita e Machado de Assis apreciado, é também necessário que ainda restem forças ao leitor para resistir à alienação após um dia imerso nas conseqüências do nosso capitalismo selvagem.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página 47).

               Histórias televisionadas. Toda emaranhada por meio de situações que vão construindo o enredo e levando ao espectador a sensação que um livro poderia causar. É evidente que uma novela não consegue alcançar a mesma profundidade de um livro por vários motivos: detalhes que só livros conseguem mostrar, interesses das emissoras e de seus patrocinadores e por aí vai.

                Então nós já temos um sistema: o ser humano tem a necessidade de ficção, mas o “pião” não tem acesso, daremos TV fácil para atender essa necessidade, complemento com um modelo educacional falho e pronto, já temos uma forma de controlar. Só que com o passar o tempo as histórias das novelas vão se distanciando da realidade. O que fazer? Daremos um pouco de cada necessidade e isso me lembra logo os programas policiais que dão exatamente mastigada a raiva para a população. Proporciona que a pessoa sinta algum tipo de ódio.
                Lembre-se que uma vida não pode ser controlada, somente induzida. Então temos uma TV que aos poucos vai induzindo a pessoa para um caminho tão fechado que consegue prender aos poucos a pessoa. Apesar disso não devemos subestimar a nossa inteligência e muito menos a dele.

“Mil dificuldades são usadas como argumento para justificar a falta de repertório e precariedade de expressão das novas gerações no Brasil. As famílias estão cada vez mais pobres, o sistema escolar público destroçado, os educadores mal remunerados, desmotivados para promover a leitura. Tudo isto é verdade. É verdadeiro também que só com uma decidida vontade política estes problemas estruturais serão resolvidos. Acontece que, da mesma maneira que o baixo padrão aquisitivo não elimina a vontade de comer, também a ausência de estímulo oficial não impede a necessidade de sonhar, de falar, de comentar a realidade em que se vive.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página 173).

                A realidade pintada em novelas, programas policiais, jornais sensacionalistas e outros tipos de programa vão cansando, porque de tanto mostrar aquilo algumas pessoas conseguem ver o que está por trás ou então nem dá mais atenção.
                Então vamos dar a realidade nua e crua para a população: Big Brother Brasil, Casa dos Artistas, A fazenda. Programas que pegam pessoas “aleatórias” fazem com que elas disputem mostrando o que existe de pior no ser humano. Tudo bem, estou sendo pessimista, existem momentos românticos, de carinho, de amizade... será?
                Se você já leu/assistiu Jogos Vorazes e Show de Truman, somente alguns exemplos, sabe como os donos do jogo são capazes de manipular para que seus jogadores sigam exatamente o que querem. Para vender a realidade para a pessoa mudam regras, criam conflitos onde não existia, induzem amizades, romances e tudo o que for necessário para manter o programa no ar, tudo bem pensado desde o início do jogo e se um dos jogadores sai do rumo desejado, ele será eliminado.
                Tudo isso para garantir o entretenimento? Claro que não. Em Jogos Vorazes toda a ideia por trás é política. Mostrar para os Distritos subordinados a Capital de que eles são superiores e podem fazer o que quiser com a vida dos Distritos; já em Show de Truman os idealizadores cercam todo o mundo de Truman com produtos e assim aqueles que se identificam com sua história serão induzidos a consumir o mesmo produto; o BBB é o mais “genial de todos”.
                Além de todos os produtos comerciais escancarados, o lado político é forte. Vejam que na edição desse ano eles enfatizaram a ideia de realmente pegar pessoas aleatórias que formassem a cara do Brasil. Ou seja, assumiram que todas as edições anteriores foram manipuladas, mas essa não, essa é para ser a cara do Brasil.
                Um “Brasil” composto em maioria pela região sul e sudeste, com pessoas alegres, com seus preconceitos escancarados e que assumem sim que cometeram assassinato enquanto serviam ao exército ou tudo foi mais um elemento do jogo já pensado? Que Brasil é esse?
                Por mais que tenham tido a falha geográfica da origem de seus personagens, que fique claro que ali não são só jogadores, são personagens induzidos e criados a todo instante pelos diretores, eles conseguiram levar o estereótipo e o preconceito para o horário nobre da TV Brasileira como se isso fosse normal, aceitável. Lembre-se que eles estão dizendo que é a cara do Brasil.
                Quem for assistir ao programa que for tem que assistir com um olhar muito bem atento para conseguir notar cada detalhe do jogo manipulativo que está por trás de cada história. Nada é por acaso, nenhuma ordem de notícia é escolhida ao acaso e tem sim um motivo por trás. Em um mundo que somos bombardeados por informação, saber filtrar é uma arte.


“O ideal seria que todas as famílias convivessem com livros e contassem histórias para suas crianças. O ideal seria, também, que todas as manifestações artísticas fossem de fácil acesso à população e que essas manifestações fossem discutidas em casa, objeto de debate familiar. Isto, infelizmente, não acontece com a freqüência desejada. Alguns culpam a televisão e a cultura de massas por esta lacuna. Na minha opinião, é uma crítica injusta. Tudo é passível de debate. Novelas, gibis, letras de músicas de funk, enredos de escolas de samba, notícias de jornal. Leitura não é uma coisa limitada, uma atividade puramente intelectual.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página 173).





Nenhum comentário:

Postar um comentário